




A 1925 um cantinho da mais privilegiada zona comercial de Lisboa foi reservado para o nascimento da Luvaria Ulisses. Ao longo dos anos, o Chiado pode ver crescer este recanto comercial através do sorriso no rosto dos clientes que saíam da loja, e claro, do manejar de dedos inquietos que haviam acabado de experimentar o seu resguardo perfeito para tempos inverniços.

Com noventa e dois anos de história, tudo continua acolhedor na luvaria Ulisses: desde o espaço intimista onde dificilmente cabem quatro pessoas, até às cores vibrantes das luvas que se deixam refletir nos espelhos apoiados em talhas douradas contrastantes com o cunho neoclassicista da loja.
Há nove anos que Paula Alexandre trocou o ambiente de escritório pela luvaria Ulisses. Todos os dias espreita a vivacidade que passeia pela Rua Carmo. Quando lhe perguntam se alguma vez se arrependeu da sua escolha, responde com orgulho que faz o que hoje em dia está em extinção: calçar a luva perfeita.
Para Paula, calçar a luva a alguém é uma experiência marcante. É nesse processo com o cliente que lhe conhece a identidade cultural, e é através da cor e do modelo escolhido que desvenda a personalidade da maioria dos que por si passam.
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“É uma experiência marcante. Parece que se vê as pessoas de outra forma, com mais confiança.”
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António Garcia Fernandes, de setenta e três anos de idade, exerce uma das profissões que, no seu entender, já ninguém se predispõe a exercer. Há 50 anos que é amolador na Avenida Almirante Reis.
A dureza da profissão deixou-lhe marcas nas mãos desgastadas e tremidas. Ainda assim, faz o que gosta caso contrário “já teria fechado”.
A pequena oficina foi-lhe deixada pelo seu pai que se deixou influenciar pelo ofício em Ourense na Galiza, mas António está convicto de que o negócio não irá passar para a terceira geração da sua família.
Com um orgulho contido, o Sr. Fernandes - como é mais conhecido - mostra como exerce o seu trabalho. Sob um custo de dois mil euros, a pedra onde afia os objetos cortantes tem a durabilidade de apenas 5 anos. E, apesar de ter muitos clientes, tamanho investimento não permite que o lucro reluza.
De dedos cobertos com o óleo com que esfrega nas tesouras acabadas de afiar, António desabafa o quão terapêutico este ofício é na sua vida, pois sem esta atividade estaria sedentário em frente a uma televisão. Parar de ser amolador é reduzir a sua identidade.
Na grande Lisboa existem somente três amoladores, sendo um deles o irmão de António. Contrariamente ao que seria de esperar, a unicidade do ofício não lhe traz qualquer reconhecimento por parte da sociedade. António sabe que é único no que faz, mas não se sente especial. “É uma profissão com um prazo de validade”, confessa com desdém.





















